Por que a Finlândia estava em nosso roteiro de viagem? Embora seja a terra natal de muitas bandas que eu e/ou a Arianne curtimos, como Stratovarius, Nightwish, Korpiklaani, Sonata Arctica, entre outras, este não foi o principal motivo. Se fosse, iríamos para Helsinque, não para Rovaniemi. Por que, então, Rovaniemi?
Nosso objetivo principal era ter a chance de contemplar a aurora boreal, portanto, pesquisei profundamente a respeito. Rovaniemi, claro, não era a única opção. Poderia ser Tromsø, na Noruega. Poderia ser Jukkasjärvi, na Suécia, onde, inclusive, há um hotel de gelo fantástico. Poderia ser em qualquer lugar na Islândia e em muitos lugares na Rússia. Poderia até mesmo ser no Alasca, no Canadá ou na Groenlândia. Eu nem sei se é possível ir à Groenlândia, se tem alguma estrutura para turistas mas, enfim, os últimos destinos citados foram logo descartados pois estaríamos na Europa, não na América. Concentrei-me nos que seriam possíveis a partir da Europa.
Rovaniemi pareceu ser a opção mais interessante devido ao status de ser a "terra do Papai Noel". É uma cidade reconstruída após a quase completa destruição na Segunda Guerra Mundial. 90% dos imóveis da cidade foram atingidos. Para ressurgir, optou por apoiar-se no turismo como força motriz. Pouco importa se você vai para lá no dia 25 de dezembro ou, por exemplo, em pleno agosto: terá pinheirinho enfeitado, pisca-pisca, desenho de rena por todos os lados, gente fantasiada de elfo e um bom velhinho vestido de vermelho, pronto para desejar Feliz Natal. Mas a cereja do bolo viria apenas nos anos 1980, ano em que a Vila do Papai Noel seria construída, a 8 km da cidade.
Além do mais, piramos quando soubemos da existência de iglus de vidro, construídos especialmente para admirar a aurora boreal deitado na cama, em um lugar com estrutura de hotel 5 estrelas. Eram caríssimos, o mais barato custa cerca de R$2.500,00 por noite. É claro que só reservei uma, sabendo que esse é o tipo de coisa que só se faz uma vez na vida. Agora era torcer para haver aurora quando estivéssemos lá.
Além do mais, piramos quando soubemos da existência de iglus de vidro, construídos especialmente para admirar a aurora boreal deitado na cama, em um lugar com estrutura de hotel 5 estrelas. Eram caríssimos, o mais barato custa cerca de R$2.500,00 por noite. É claro que só reservei uma, sabendo que esse é o tipo de coisa que só se faz uma vez na vida. Agora era torcer para haver aurora quando estivéssemos lá.
Seja qual fosse a cidade escolhida, uma coisa é certa: estaria próxima ao Ártico, e enfrentaríamos temperaturas congelantes com as quais não estávamos acostumados. A primeira questão que veio à mente foi se deveria comprar ou alugar roupas apropriadas pois, afinal, onde moramos não haveria muita utilidade. Por outro lado, teríamos também uma viagem para o Chile, onde iríamos para Farellones e, talvez, Valle Nevado, e isso me fez decidir pela compra. Segunda questão: onde comprar? Eu havia viajado ao Chile um ano antes, e me assustei com os preços de tudo. Defini Santiago como "cidade cara do satanás". Então, decidi que se houvesse como comprar no Brasil, era o que faria.
Descobri uma loja na Marginal Tietê, Decathlon, especializada em produtos esportivos, o que incluía roupas e acessórios para montanhismo, que provavelmente serviriam aos meus propósitos. Fui até lá e constatei que sim: havia inclusive um indicativo nas peças indicando até que temperatura negativa elas seriam capazes de proteger. Embora pudesse esperar por temperaturas como -38ºC, esse seria um caso extremo, portanto comprei bota, segunda pele inferior, segunda pele superior, calça, luvas e casacos para mim e para a Arianne, capazes de suportar até -19ºC.
Nosso voo direto para Rovaniemi partiu de Londres às 06:30, pousando no destino às 11:55 locais. Pouco mais de 4 horas de voo. É interessante ver como a paisagem se transforma conforme se avança ao norte. Quando desembarcamos, já sentimos um pouco do bafo gelado, mas nada que realmente assustasse, afinal Londres estava com temperaturas quase congelantes também. Ao desembarcar estava muito mais frio que no avião, é claro, mas havia um certo aquecimento do ar condicionado do aeroporto.
Embora já estivéssemos no Espaço Schengen desde a chegada à Veneza, e tivéssemos vistos válidos para nos mover livremente pelos países europeus (exceto Reino Unido) por 90 dias, ainda assim o oficial da imigração conferiu nossas reservas de hotel, passagens de retorno, além de questionar por quanto tempo ficaríamos. Como estava tudo correto, logo recebemos as boas vindas. A sala de desembarque é toda decorada com temas natalinos.
A cidade é minúscula, com um aeroporto minúsculo. Mal saímos da sala de desembarque e já estávamos no portão de saída. Enfim descobrimos o que é estar em um país glacial de verdade. A Arianne sentiu o ar gelado, deu um berro e voltou correndo para o interior do aeroporto - ao contrário de mim, ela não preocupou-se em viajar com as roupas apropriadas - enquanto o motorista de um ônibus estacionado próximo a nós dava risada da situação. Ele deve ver cenas como essa todos os dias.
Para vergonha da Arianne, ele era o motorista do ônibus que nos levaria à cidade. O aeroporto é um pouco afastado, algo como GRU (aeroporto de Guarulhos) é de São Paulo. De resto, é o que já falei: a cidade é minúscula. Tudo é perto de tudo. Então indicamos ao motorista onde deveríamos descer, e ele gentilmente nos avisou.
Passamos em um escritório para pegar as chaves do apartamento que seria nossa casa pelos próximos quatro dias e, a propósito, fizemos a escolha correta: gostoso, aconchegante, quentinho, com tudo o que precisávamos para uma experiência excelente. No caminho, vimos coisas bizarras, como diversas bicicletas enterradas na neve.
Nos instalamos e já saímos para conhecer um pouco da cidade. Para nossa surpresa, havia um Cat Café a menos de 100 metros de nosso apartamento. Para quem não sabe, eu e a Arianne cuidamos de 15 gatos. Minha mãe faleceu em 2016, deixando 17 gatos. Até o dia da viagem, dois haviam falecido. Então, é fácil concluir que gostamos de gatos. Logo que vimos, decidimos entrar e tomar alguma coisa. "Ah, mas não fica tudo sujo de neve dentro"? Não. Há duas portas e, após passar pela segunda, os frequentadores devem retirar seus calçados, deste modo, o chão mantém-se totalmente livre de neve.
Cansada da viagem, Arianne preferiu retornar ao apartamento e descansar um pouco. Eu decidi dar uma volta. Tem muita gente que nunca viu neve e acha que deve ser a coisa mais legal do mundo. Posso garantir que, em qualquer cidade, a neve é nojenta. As pessoas pisam, os cachorros fazem cocô em cima - o que não era raro de ver por aqui. Quando neva e acumula, ok, é branquinha, bonitinha... Mas quando pessoas e animais têm que passar por ela, definitivamente não é legal. Faz um barulho muito irritante a cada passo.
Não era incomum ver finlandeses utilizando bastões para caminhar, porque escorrega pra caralho! Eu caí algumas vezes - foi filmado em vídeo, então continue acompanhando o relato que você verá - e derrapei muitas vezes sem cair, dando aquela patinada básica. Há montes de neve por todos os lados, pois de tempos em tempos máquinas passam retirando o excesso das ruas e passagens.
Aqui pode ser difícil jogar o lixo no lixo |
Observe o tamanho do "telhado de neve". É surreal. Tem quase um metro! |
Isso não tem nada de bonito, é nojento |
Retornei ao apartamento e convenci a Arianne que ela deveria vir comigo - até porque eu precisava de alguém que tirasse minhas fotos nos lugares legais que encontrei.
Dando uma conferida no rio completamente congelado |
Claro que ver neve de verdade pela primeira vez na vida (aquela nevezinha que vi no Chile não conta) me fez agir como moleque explorando as novas possibilidades. Resolvi "escalar" um monte de neve e caminhar um pouco, mas logo minha perna afundou pra valer. Logo lembrei de um episódio de "À Prova de tudo" (Man vs Wild), onde Bear Grylls ensinava uma técnica para sair de areia movediça, deitando para aumentar a superfície e distribuir melhor o peso do corpo. Embora eu não estivesse tão preso assim, resolvi usa-la e, para minha surpresa... funcionou! Quem me conhece sabe que odeio frio com todas as minhas forças, mas naquele dia admito que me diverti demais.
Voltando a citar "À Prova de tudo", eu via Bear em ambientes glaciais, cavando para fazer um abrigo e, quando terminava, simplesmente deitava lá. Eu ficava pensando "não é possível que a roupa seja tão boa para ele deitar na neve e ficar aí de boa". Mas é! Claro que eu tinha que testar!
Foi então que paguei o mico do ano: fã de futebol, por que não simular um Brasil x Finlândia na casa do adversário?! Diz a lenda que marquei até um gol...
Retornamos ao apartamento, onde pedimos algo para comer com o auxílio de um app similar ao iFood. Ao menos lá, o iFood ainda não funcionava, então a Arianne descobriu uma alternativa que, conforme ela, só funciona na Escandinávia. Eu acredito que ela quis dizer Lapônia, mas ok. O importante é que conseguimos pedir e nos alimentar.
De noite fomos a uma agência de turismo que era o ponto de encontro de nossa primeira atividade: passeio de trenó da Northern Lights com petiscos quentes. Existem atividades similares que utilizam renas ou huskies como tração, mas eu e a Arianne somos contra a exploração animal, então jamais optaríamos por elas.
Todos ganhamos um capacete para participar da atividade |
Fiquei bunitim?! |
A luz ao fundo é apenas a iluminação da cidade refletida no céu |
Instruções finais antes do passeio começar |
Sobre a atividade em si: não faça, não recomendo. As estradas por quais passamos eram isoladas, mas não exatamente lisas. Um tanto onduladas, fazem o trenó pular demais. Quando a moto de neve acelera, você meio que perde o controle e a bunda começa a bater com força no trenó (sem piadinhas "quinta série level", por favor).
Após um trajeto de cerca de meia hora, paramos em uma clareira, onde foi realizado um churrasco. A Arianne é vegana, eu nem tanto - beiro mais ao vegetarianismo - mas ambos preferimos a opção vegetariana feita, pelo que entendi, com espinafre. Também esquentamos alguns marshmallows. Nunca vi em minha vida um céu tão negro como o que vi quando olhava ao norte. Houve um momento em que tentei me afastar um pouco do grupo e da luz da fogueira, mas logo retornei, porque afundei na neve muito mais do que afundara de tarde. Passei algum tempo isolado ouvindo, no celular, bandas como Stratovarius, Sonata Arctica e Korpiklaani. É bom fazer isso estando na casa delas.
Arianne cortou minha cabeça, mas é difícil fotografar sem iluminação alguma |
Claro que o objetivo do passeio era se afastar o suficiente da iluminação da cidade para, quem sabe, contemplar a aurora boreal. Mas, naquele dia, não tivemos sorte, ela não apareceu. Mais uma vez, não recomendo esta atividade pois, logo após o churrasco, já se retorna ao ponto onde descemos das vans e embarcamos nos trenós para, em seguida, voltar ao ponto inicial, a agência. Ou seja, é um fracasso quase certo para a caça de aurora boreal.
Eu e a Arianne vimos a aurora duas vezes nos dias seguintes, mas sempre foi uma longa espera, com muita paciência. Não adianta nada fazer uma atividade que dure apenas duas horas. Não é assim que você verá a aurora, a menos que realmente esteja em seu dia de sorte! Além do mais, imagine o quão frustrante seria se a aurora aparecesse e seu guia o convocasse, bem como a todos, para retornar, porque o horário acabou. Você teria que voltar, pois está em meio a uma floresta onde há animais selvagens e as temperaturas são congelantes. Ficar nunca será uma opção. Sem contar que não existem atividades baratas na Finlândia. Esta custou 85 euros por pessoa.
Uma opção que não existia quando comprei e agendei as atividades, e que aparentemente foi retirada do site, é uma noite em um navio quebra-gelo. Lembro que era bem caro, uns 350 euros por pessoa, mas com certeza as chances de ver a aurora seriam muito maiores, até porque ele navegaria até alto mar, onde não haveria interferência alguma das luzes das cidades. Se planeja visitar a Lapônia e se esse custo não é proibitivo para seu bolso, pesquise sobre essa atividade na Finlândia ou na Noruega. De repente você pode fazer um passeio sensacional!
Nosso segundo dia na Finlândia foi um day-off, sem grandes atividades. Dá para acreditar que no dia anterior estávamos em Londres, que há dois dias estávamos em Atenas, que há três dias estávamos no Cairo, que há quatro dias estávamos em Míconos?! Às vezes é necessário parar e recarregar um pouco as baterias. Saímos apenas para procurar um mercado, onde compramos pizzas pré-prontas para o jantar e a Arianne aproveitou para fotografar algumas frutas e legumes, não apenas para lembrar de seus nomes finlandeses - que nesses casos quase sempre eram parecidos com os em português - mas também para recordar quanto custavam.
Quer dizer que você reclamava quando o tomate estava 8 reais no Brasil?! |
Na volta ao apartamento, passamos por um parquinho onde não havia crianças. Por que será?! |
De noite também não tínhamos atividade agendada. Lembre-se: as atividades na Finlândia são caras. Não da para fazer algo todos os dias. Após passar o dia lendo sobre o assunto, Arianne resolveu, por conta própria, sair para caçar aurora boreal. De acordo com ela, um bom lugar para começar seria perto do museu Arktikum. Não acreditei muito, mas a acompanhei. Após uns 20 minutos de caminhada, chegamos e encontramos muitas pessoas fazendo o mesmo que nós.
A temperatura beirava -15º, e provavelmente esfriou um pouco mais, mas não fiquei monitorando. Esperamos horas olhando pro céu, sem resultado algum. Por muitas vezes sentei na neve - e, mais uma vez, a roupa aguentou de boa - mas não tirava os olhos do céu. A Arianne guiava-se também por um app - My Aurora Forecast & Alerts (Google Play ou App Store) - que mostrava onde estava a aurora boreal e, de acordo com ele, ela estava próxima a nós, mas não o suficiente para ser vista. A chance de vermos algo naquela noite era de 22%. O jeito foi esperar...
A temperatura beirava -15º, e provavelmente esfriou um pouco mais, mas não fiquei monitorando. Esperamos horas olhando pro céu, sem resultado algum. Por muitas vezes sentei na neve - e, mais uma vez, a roupa aguentou de boa - mas não tirava os olhos do céu. A Arianne guiava-se também por um app - My Aurora Forecast & Alerts (Google Play ou App Store) - que mostrava onde estava a aurora boreal e, de acordo com ele, ela estava próxima a nós, mas não o suficiente para ser vista. A chance de vermos algo naquela noite era de 22%. O jeito foi esperar...
Estávamos na beira do rio congelado e eu estava muito a fim de caminhar por ele, mas a Arianne, apavorada, insistiu para que eu não fosse. Seria de boa. No dia anterior, notei que ali tinha mais de metro de gelo. Aguentaria meu peso tranquilamente. Além disso, naquele momento outras pessoas já caminhavam sem problema algum.
No dia anterior, observei pegadas no rio congelado |
Buraco aberto no gelo, possivelmente por pescador |
Quando começamos a pensar em desistir, a mágica aconteceu. Eu não consigo descrever com palavras, mas tentarei: em um momento ela não está lá, no momento seguinte está. Aparece do nada. E fica bailando no céu. Emocionada, Arianne só faltou chorar. Talvez tenha chorado mesmo. É claro que tentamos tirar fotos, mas a câmera, uma Nikon Coolpix P900, configurada por um finlandês na noite em que andamos de trenó, não conseguia enxergar o mesmo que nós. Não era uma aurora forte, como a que vemos na maioria das fotos ou vídeos por aí. Estava mais fraca do que esperávamos, mas conseguimos ver perfeitamente.
As fotos ficaram horríveis, tremidas, mas é para dar uma ideia: a aurora está lá, mas com certeza vimos algo muito melhor, que a câmera não foi capaz de registrar. Sobre o vídeo, tentei filmar quando o fenômeno apareceu mas, exceto o som, nada foi registrado.
Em janeiro de 2020, assisti a um vídeo de um canal do Youtube que gosto demais, chamado "Mundo Sem Fim". Trata-se de um casal de viajantes que produz vídeos sobre suas aventuras pelo mundo. Neste, comentam a experiência de "ver" a aurora, alegando que nada viram, enquanto a câmera deles era capaz de vê-la perfeitamente. Conosco foi exatamente o contrário. Nós víamos, mas nossa câmera mal era capaz de percebe-la.
Se você entende inglês, assista ao vídeo abaixo, que explica porque o que vemos pode ser tão diferente das fotografias.
Retomando: após algum tempo, a aurora desapareceu. Assim como aparece do nada, some do nada. Ainda esperamos por duas ou três horas, sem ver nada mais, mas tive que desistir pois, desde pouco antes da primeira aparição, eu sentia uma dor horrível nas mãos. Eu sabia que, mesmo estando de luvas, provavelmente era princípio de congelamento, mas deixei de me importar quando a coisa aconteceu e, depois, eu estava extasiado demais para simplesmente ir embora. Agora a dor já beirava o insuportável e tive que pedir arrego. Falei com a Arianne e retornamos ao apartamento.
Quando chegamos, eu tive a "brilhante" ideia de mergulhar as mãos em água morna. PUTA QUE PARIU! Naquela noite vi aurora boreal e muita, muita estrela! Foi sem dúvida nenhuma, a pior dor que senti na vida, e olha que tive algumas dores horríveis, como quando arranquei um dente sem a anestesia pegar - e não consegui sequer reagir para avisar ao dentista. A impressão que eu tinha é que cristais de gelo se soltavam no interior dos meus dedos e agora estavam livremente navegando em minha corrente sanguínea. Nunca mais quero sentir isso de novo! Naquela noite, eu não queria saber de mais nada, apenas deitar e dormir.
A primeira coisa que fiz quando acordei no dia seguinte foi verificar se minhas mãos estavam ok. Se estivessem roxas ou algo assim, seria hora de enfim usar o seguro viagem, que sempre faço mas nunca usei. Mas, mais uma vez, não foi o caso. Eu estava ok e minhas mãos não doíam mais.
Era hora de se preparar para a segunda atividade: Excursão às Cachoeiras Congeladas de Korouoma. Não é barata: 199 euros por pessoa. No dia anterior, combinei com a agência, por e-mail, definindo que o ponto de encontro seria em frente ao Cat Café. Nossa guia, uma jovem e simpática russa, atrasou um pouquinho, mas logo estávamos na estrada a caminho das cachoeiras. Foi pouco mais de uma hora de viagem. Ao chegar, a Arianne precisava muito ir ao banheiro, então a guia indicou onde ela deveria ir. Acredito que não foi uma das tarefas mais fáceis. Quando voltou e disse como era o banheiro, eu simplesmente precisei conferir e tirar algumas fotos. Os cartazes que ilustravam cada porta eram muito engraçados.
Nossa guia retirou uma mochila grande do porta-malas, pôs nas costas, e iniciamos a caminhada. Só sei que, tal como o homem na Lua, deixei minha pegada para posteridade. Por que será que desconfio que ela não se manterá?
Apenas repare no tanto de neve nesse telhado |
Foi uma longa descida, e eu perguntava a mim mesmo como faríamos para subir depois. Mas na volta nem foi tão difícil assim. Enfim chegamos à primeira cachoeira. São três.
A guia contou que, no verão, quando não há neve, todas as cachoeiras são apenas uma pequena queda d'água. Conforme vai congelando, a água tenta encontrar outros caminhos para cair, por isso se expande para os lados e congela também. Fica simplesmente maravilhoso! Tentei escalar a cachoeira, mas chegou uma hora em que ficou totalmente escorregadio, então desisti.
Apenas repare o tanto que a neve reflete a luz do sol |
Após passar pela terceira cachoeira (fraquinha, sem graça, não vale nem a pena mostrar), nossa guia nos conduziu a um abrigo, onde houve uma parada não programada - ao menos para nós. E foi então que entendi o porque daquela mochila enorme: comida. A ideia era fazer o que eles chamam de churrasco que, como no dia do trenó, é composto por linguiça. Provavelmente eles também achem nosso churrasco muito esquisito. Mas como eu e a Arianne não curtimos, felizmente a guia trouxe também as opções vegetarianas que incluíam espinafre e milho, além dos marshmallows. Trouxe também o que eles chamam de suco, mas desconfiamos fortemente de que seja chá.
Aquele era um abrigo finlandês típico, e já tínhamos visto um parecido no vídeo que os finlandeses Timo Kotipelto e Jani Liimatainen fizeram para divulgar o projeto acústico Blackoustic. Me diverti imitando os dois enquanto esperava o rango aquecer (hello, this is Jari. Me, this is Timo). Arianne, por sua vez, estava entretida com os passarinhos. Pra dizer a verdade, eu não compreendo como pode existir vida de sangue quente em um clima tão extremo. Um urso ainda tem uma enorme camada isolante de gordura, mas como essas porras de pássaros não congelam???
Quando retomamos nosso caminho, achamos uma trilha recente de pegadas de algum animal selvagem. A guia não soube identificar, mas pode ser muita coisa, incluindo urso. Pra ser sincero, não estávamos muito preocupados.
Fim do passeio, retornamos ao carro e à estrada. Pedimos para a guia nos deixar em nosso iglú de vidro, que é onde ficaríamos até o dia seguinte. Como o aeroporto, é afastado da cidade, mas um pouco menos. Na verdade está no meio do caminho, assim como a Vila do Papai Noel.
Como estávamos em um hotel 5 estrelas - a sede é anexa aos apartamentos, mas tem tudo o que se espera de um bom hotel, incluindo restaurantes caros - decidimos ir à Vila do Papai Noel para tentar encontrar algum lugar mais em conta para comer nesta noite. Se não encontrássemos, usaríamos o app novamente, mas pagaríamos mais uma taxa de entrega em euros, e isso nunca é legal.
Passamos pela Vila do Papai Noel e não encontramos opções - se bem que apenas por fora, não entramos em lugar algum. Tirávamos algumas fotos, quando vimos ao longe o que parecia ser um posto de gasolina. Teria ele uma loja de conveniência? O jeito foi caminhar até lá e descobrir. Felizmente tinha. Não lembro exatamente o que compramos, mas provavelmente foram salgadinhos e refrigerante para mim. Estava ótimo! Eu estava em um iglu de vidro na Finlândia, acha mesmo que eu iria me importar em comer bobagem?!
Encontramos também algo que eu estava procurando sem sucesso desde que cheguei à Finlândia: salmiakki. Eu não tinha ideia do que se tratava, mas era um pedido da Maria Claudia que, como eu, sempre aborda bandas, incluindo várias finlandesas. Como possui excelente fluência, ela conversava com os integrantes, e sempre ouvia falar do tal salmiakki. Ela me mandou uma foto e pareceu um pacote de balas, algo assim.
A Arianne encontrou na loja de conveniência do posto e, a essa altura, eu já estava tão curioso a respeito que comprei dois: um para ela, outro para mim. Quando retornei ao iglu, a primeira coisa que fiz foi abrir e experimentar: PUTA BAGULHO RUIM!!!! Parece uma bala de alcaçuz que alguém jogou um quilo de sal em cima. Anunciei para a Maria Claudia que, além do dela, ela também ganhou o meu pacote, embora já aberto. Eu que não ia colocar aquela coisa na boca novamente (mais uma vez: sem piadinhas "quinta série style"). Se quiser rir, clique aqui e leia uma opinião sobre as tais balinhas.
O hotel oferece aos hóspedes um tablet, que você utiliza para interagir de diversas maneiras, desde controlar as luzes ou a temperatura do ar condicionado, até solicitar comida do restaurantes do hotel, caso não queira sair do iglu. Também é possível configurar o recebimento de alertas de aurora boreal. Assim, torna-se desnecessário observar o céu: se ela aparecer, você será avisado de que o show começou.
Naquela noite, com céu limpíssimo, a probabilidade de aparição era superior a 30%, o que os finlandeses consideram muito alta. Estava tudo favorável mas, infelizmente, ela não apareceu. Também é questão de sorte. Mesmo assim valeu a experiência, e muito. A única coisa que consideramos desconfortável foi a maldita mania finlandesa de usar peles de animais em tudo, como se fosse normal. Talvez seja para eles, para nós não é. É triste encontrar uma pele em cima da cama. Fora isso e da ausência da aurora, foi tudo mágico e perfeito.
Na manhã seguinte, tivemos uma surpresa: o céu estava um tanto encoberto e logo começou a nevar. Alguém fez um boneco de neve em frente ao nosso chalé.
Após o café da manhã, já era praticamente a hora do check-out. Fui até a recepção para descobrir quais eram as opções para retornar à cidade e... surpresa maravilhosa: havia uma van gratuita! "Ah, mas vocês não ficaram para explorar melhor a Vila do Papai Noel?". Não! Até pensamos no assunto e seria legal demais tirar uma foto com o Papai Noel em sua própria casa, mas é tudo muito caro e já estávamos na Europa, gastando, há um mês. Me parece que apenas tirar uma foto com o papai noel custa 50 euros. Prefiro tirar uma foto de graça com ele em algum shopping de São Paulo. Um tour guiado na vila custa 485 reais por pessoa. Se quisesse dar uma volta de renas com o Papai Noel não sairia por menos de 960 reais por pessoa.
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Morrendo de vergonha, me enfiei no meio da molecada no shopping Bourbon, em São Paulo |
É louvável saber que a cidade se reergueu mantendo vivo o espírito de natal mas, por outro lado, é um comércio, uma exploração, como se todas as pessoas que visitam Rovaniemi cagassem ouro. Os preços fogem da realidade até para o padrão europeu, que dirá de mim com o real desvalorizado?! Lamento não ter conhecido o bar de gelo que tem na Vila do Papai Noel, mas até mesmo isso eu já conheci no Brasil - embora reconheça que foi infinitamente mais sem graça, mas ao menos foi barato. Enfim, quem sabe numa próxima vez...
Bar de gelo no shopping Anália Franco |
Quando chegamos à cidade, o primeiro lugar que Arianne quis visitar foi o Cat Café. Depois, inventou de visitar a exposição do museu Arktikum. Eu a acompanhei até a entrada do museu, mas não entrei, primeiro porque era pago e eu não estava a fim de gastar, segundo porque eu já estava meio de saco cheio de visitar museus, visto que já estivemos em alguns na Inglaterra, Grécia e Egito nas últimas semanas. No caminho ao museu, encontramos um bar de gelo a céu aberto quase tão sem graça quanto a versão brasileira.
Os gatos do lugar: Cecilia, Ludwig, Musti e Vincent |
Observe onde é o banheiro humano e onde é o dos gatos |
Quanto ao museu, não tenho muito o que dizer, já que não entrei. Mas a Arianne diz que há uma área para visualizar a aurora. Há apenas um problema, ele fecha de noite. Então, não entendi nada.
Esta noite seria a última oportunidade para vermos a aurora, então decidimos voltar ao museu. Para não sofrer princípio de congelamento desta vez, decidi que, sempre que minhas mãos ficassem excessivamente geladas, eu as colocaria em alguma parte quente do meu corpo, como no sovaco ou mesmo em partes íntimas. É sério! Funcionou bem. Ficamos cerca de 8 horas no local, repeti a operação várias vezes, e não tive o menor problema com isso. Bem, quase. Após tanto tempo pisando em gelo e neve, os dedos dos pés começaram a doer e adormecer. Não querendo passar pelo que havia passado há duas noites, abortei a missão imediatamente, e convenci a Arianne a retornar ao apartamento comigo. Quanto à aurora, sim, ela apareceu, mas ainda mais fraca do que tínhamos visto antes. Apenas uma foto ficou mais ou menos, e bem mais ou menos mesmo. Já era 27 de março, e a temporada de aurora, que vai de outubro a março, já estava no final.
No dia seguinte, dormimos preguiçosamente até quase meio dia. As malas já estavam arrumadas e bastava fechar a porta do apartamento com a chave dentro, que ele estaria entregue. Antes de seguir ao aeroporto, demos uma última passada no Cat Café, para nos despedir de nossos amiguinhos finlandeses. Por sorte, o ônibus que deveríamos tomar ao aeroporto passava há duas quadras de onde estávamos e, assim que chegamos ao ponto, ele também já estava passando. Foi difícil entrar no avião, nós realmente queríamos ficar mais algum tempo. Julgamos que quatro dias seriam suficientes para ver a aurora e vimos, duas vezes. Mas se soubéssemos tudo o que encontraríamos, com certeza ficaríamos muito mais. Pouco antes de embarcar, comprei uma última lembrança:
No aeroporto de Helsinque, onde fizemos conexão antes de retornar a Londres, comprei uma das lembranças mais legais da viagem, um imã de geladeira que é a cara da Finlândia.
Já em Londres, ao abrir a mala no hotel, constatamos que ela fora aberta pelos oficiais da alfândega em um dos aeroportos finlandeses. Eles deixaram um papel comunicando que foi necessário abrir para retirar um objeto proibido (conforme o texto, um isqueiro). Para dizer a verdade, não senti falta de isqueiro algum, nem de nada mais. Sempre levo mais de um (para não passar muitos apertos se perder algum), e os que levei estavam na mala de mão. O curioso é que eles não retiraram uma cebola pequena. Ela sobrou dos alimentos que compramos no mercado, e fiquei com pena de desperdiça-la, então a coloquei na mala. Ela passou ainda pelas alfândegas de Londres, Paris e Madrid, e chegou ao Brasil, onde finalmente a consumi.
Cerca de uma semana após nosso retorno ao Brasil, Maria Claudia veio à nossa casa buscar o salmiakki. Jamais esquecerei sua expressão quando colocou o primeiro na boca. Sua reação foi a mesma que a minha. Apenas desconfio que ambos os pacotes foram parar no lixo. Ninguém gostou daquilo.
Para concluir: eu passo mais frio no dia a dia em São Paulo do que passei nesses dias na Finlândia. A explicação é simples:
- Todos sabem que é possível ter as quatro estações no mesmo dia em São Paulo. Às vezes você sai de casa de manhã com um calor desgraçado, de camiseta, nem leva um agasalho. Porém, ao retornar, horas e horas mais tarde, já está um frio quase polar, e você sem proteção alguma. Na Finlândia, as roupas bastam para te proteger do frio e, quando você sai de casa, com certeza está vestido apropriadamente. Ok, tive o problema com as luvas e com a bota mas, resolvido isso em uma próxima aventura em um país gelado, a afirmação torna-se 100% válida.
- Os lares finlandeses tem aquecedores e mantem-se todo o tempo em uma temperatura agradável. Ao chegar da rua, é tranquilo tirar a roupa - se não, nem demora para começar a suar em bicas.
- Além disso, após o banho, você sai de boa, pois a temperatura do banheiro é agradável. Em São Paulo, no inverno, eu sempre postergo a saída, pois sei que receberei aquele bafo de ar gelado horrível. Não são raros os dias que nem quero tomar banho em São Paulo. Tomo sim, mas sempre sob protesto, praguejando contra tudo e contra todos.