Quando desembarquei no Rio, dois amigos estavam à minha espera. Mais um táxi, rumo ao Intercontinental, hotel onde o Iron Maiden estava hospedado - e eu também.
Por estar no mesmo hotel que a banda, tenho uma filosofia: só saio para o show após a banda sair. É sempre uma chance de vê-la novamente, e de acompanhar como isso acontece. O Maiden não costuma sair pela garagem ou por saídas especiais, especialmente quando sai para o show, pois a maioria dos fãs já está aguardando no local do evento. Até acontece, mas geralmente é pela porta da frente mesmo.
Também não faço questão de chegar cedo para disputar os melhores lugares na pista VIP. Com quase 20 anos, em 1992, fui um dia antes para a fila do show no Palestra Itália, em São Paulo. Foram 23 horas de espera, sem dormir, que me garantiram apenas um lugar intermediário. Explico: embora a fila estivesse pequena e organizada quando cheguei, na abertura dos portões estava uma confusão generalizada. A minha namorada na época escorregou e foi ao chão na abertura dos portões, levou alguns pisões, e deste modo perdemos os lugares mais próximos ao palco, apesar de todo esforço adicional para garantir a proximidade.
Quatro anos mais tarde, no Pacaembu, eu estava bem próximo ao palco. Não é fácil. Aliás, não é muito agradável assistir a um show assim. Grade é para os fortes, pois o empurra-empurra come solto, as encoxadas são inevitáveis, e ondas que não se sabe como ou de onde surgem te empurram de um lado para outro, sendo absolutamente impossível ficar de pé em muitos momentos. Você é simplesmente arrastado para cá e para lá, sem ter controle nenhum da situação. Então com quase 40 anos, deixava isso para a molecada.
Meu ingresso era para cadeira nível 3 e, para mim, estava ótimo - até porque pago inteira, e haja grana para pista VIP para 6 shows. Naquele dia, foi o que aconteceu: a banda saiu, eu saí. Tomei um táxi e, após quase meia hora, cheguei ao tal HSBC Arena. Mas algo parecia muito errado. Apesar do local não ser tão grande, a fila estava gigantesca. Em um primeiro momento lembrava a do show de São Paulo de 2009, no autódromo de Interlagos, que dizem ter atingido 4 quilômetros de extensão. Evidentemente o espaço não comportava 1/5 de gente que o autódromo, mas é fato que estava tão difícil de ver o fim da fila quanto. O pior: estava parada. Mais de 40 minutos se passaram e ninguém andou um centímetro sequer.
Atravessei a avenida e entrei numa churrascaria, pois ainda não havia comido nada desde que cheguei ao Rio. Os garçons me alertaram que, pelo horário, eu perderia o show, mas estava acompanhando a fila, que continuava parada. Comi sossegado e resolvi encarar o fim da fila. Ouvi relatos de que aconteceram alguns roubos de celulares. Indivíduos disfarçados de fãs, vestidos com camiseta do Iron Maiden para não chamar atenção, se aproximavam das vítimas, as abraçavam como se as conhecessem, e encostavam a arma, levando o celular.
Sem aviso, a fila começou a andar. Não naqueles passos de tartaruga que todos que vamos em show já estamos acostumados. Como o atraso era considerável, liberaram a entrada: nada de revista, nada de apresentar carteirinha de estudante (quando aplicável), nada de nada. Simplesmente abriram e deixaram a galera entrar. Então, em 5 minutos, a fila gigantesca desapareceu. Se o maluco que entrou atirando em crianças em uma escola carioca dez dias depois estivesse lá, poderia ter atirado tranquilamente em quem quisesse.
Chegar de última hora e ser um dos últimos da fila certamente tem seus inconvenientes: os lugares com melhor visão do espetáculo já estavam abarrotados. Reparei que as laterais estavam vazias, e resolvi me posicionar ali, à direita do palco. Se fosse meu primeiro show do Iron Maiden, talvez eu estivesse decepcionado, mas como era o décimo primeiro, eu estava animado por poder assistir ao meu primeiro show da banda em local fechado e, em um ângulo onde teria visão completa de tudo que acontecia no backstage. Finalmente eu veria com meus próprios olhos como fazem para operar o walking Eddie, por exemplo.
O show começou com "Doctor Doctor", como já era padrão, e a galera ainda estava morna, mas quando os telões acenderam e Sattelite 15 começou, a loucura veio abaixo. Em Final Frontier, quando a banda entrou no palco, logo nos primeiros acordes já se percebia que a grade, supostamente de segurança, que separa a área VIP do palco, viria abaixo. E veio. Enquanto a segurança tentava controlar a situação, a banda continuou a tocar, sem Bruce e indefinidamente. Isso foi legal, pois provou o que todos já sabiam: o Iron Maiden não usa playback. Se usasse, a música continuaria normalmente mesmo em uma situação que estava fugindo do controle.
Naquele momento eu já sabia: o show seria cancelado. Bruce ficou realmente preocupado. Geralmente, ao perceber que alguns fãs estão espremidos na grade, ele pede a todos para recuar um passo, o que costuma resolver. Desta vez ele pedia que todos recuassem não um, mas dez passos. Ele tentava controlar a situação, enquanto os demais músicos faziam o melhor que podiam para estender a música até onde nem eles mesmos sabiam. Fizeram o que puderam, até que decidiram finalizar. E não, desta vez não houve a sequência com "El Dorado".
A banda saiu do palco e, após algum tempo, Bruce retornou, acompanhado de Fabiana, a tour manager brasileira. Utilizando-a como intérprete, anunciou que o show seria paralisado por 10 minutos, até que a barreira fosse consertada. Os seguranças faziam o melhor que podiam, mas a galera não colaborava: ninguém deu um passo sequer para trás, enquanto alguns fãs tentavam invadir o palco.
Rod Smallwood entrou em cena para tentar acalmar os ânimos, mas não havia como continuar. Quando o prazo se esgotou, Bruce retornou com Fabiana, que anunciou que o cancelamento, agendando um novo show para o dia seguinte. Tenso, mas não havia alternativas. Muitas pessoas não teriam como retornar. Pior, gastaram dinheiro com deslocamento (de outras cidades, estados, às vezes até países), hospedagem, alimentação, ingresso, e perderam ali a chance de assistir o show.
Mais tarde, no hotel, integrantes da equipe da banda me contaram que Steve já estava com receio de realizar o show, já que mais cedo parte do teto havia cedido e caiu na área do backstage. Talvez isso explique porque a abertura dos portões de acesso foi adiada até o último momento. Quando a grade cedeu, realmente não havia como continuar.
Isso estragou meus planos. Sou avesso a confusões e multidão. Vou porque amo Iron Maiden, mas geralmente sacrifico uma ou duas músicas do bis, saio do local apressadamente, tomo o primeiro taxi que aparecer, e volto para o hotel, antes que a muvuca da saída do show seja estabelecida. Porém, naquele dia, não teve como fazer isso. Com o término antecipado, praticamente não haviam taxis disponíveis. Os ônibus e vans estavam absolutamente lotados. Era uma época sem 99, Uber, Cabify...
De repente, me vi sozinho em uma cidade onde não conheço muita coisa (na região do HSBC Arena, então, não conheço nada) e tudo o que ouço dizer tem a ver com tráfico, arrastão, sequestro, homicídio, falsa blitz, tiroteio e por aí vai. É uma cidade bacana sim, tenho grandes amigos por lá, mas é fato que é repleta de problemas sociais. Em São Paulo eu me garanto, mas no Rio sou “estranho em uma terra estranha”. O tempo passava e houve momentos em que achei que passaria a noite inteira lá. Nenhum sinal de táxi, e os ônibus todos lotados. Algum tempo depois, passou uma van, que se propôs a me deixar no Barra Shopping, onde certamente eu pegaria um táxi. E foi o que aconteceu.
Já no hotel, encontrei Adrian Smith saindo do elevador. Apenas o cumprimentei, tomei o mesmo elevador, e segui para meu quarto, afinal estava "desarmado", sem câmera ou material para autografar. Desanimado com o que aconteceu, desci para o bar, onde uma amiga estava me esperando. Mas o ânimo geral não era dos melhores. Steve e Dave passaram por lá, com cara de velório. Eu nem fiz menção de aborda-los. Saíram em direção à praia acompanhados dos dois seguranças oficiais da banda, Peter e Jeffrey. Mais tarde fiquei sabendo que visitaram uma das barracas da orla, provavelmente para comer alguma coisa.
Michael Kenney passou por mim. Eu o chamei e pedi que autografasse duas fotos que levei: uma que ele havia tirado comigo em Manaus, dois anos antes, e outra, um pôster de 20X30, que arrumei no Google Images, dele atrás de seus teclados. Com essa ele se impressionou: "Uau! É a segunda vez na minha carreira que alguém me traz essa foto. Essa eu autografarei com prazer!". Agradeci os autógrafos e pediria uma foto, mas ele foi chamado alguém da equipe, então deixei para outra oportunidade.
Foi então que Nicko, o único animado, chegou. Realmente animado, aliás. O bar estava vazio, com no máximo cinco fãs. Três deles o abordaram e ele atendeu de boa. Já que estava receptivo, eu e minha amiga levantamos para falar com ele também, mas ele pediu para ficar onde estávamos, pois pegaria outra cerveja e nos atenderia a seguir.
Continuamos sentados, eu de costas para ele, e o que aconteceu a seguir foi surreal até mesmo para mim. De repente, uma mão colocou uma cerveja em nossa mesa. Era Nicko, que perguntou se podia se sentar conosco. Mas é claro que sim! Não sei se me reconheceu da última turnê no Brasil, acho muito difícil, mas ele perguntou a quantos shows eu iria "desta vez", e eu respondi que estava acompanhando a parte brasileira da turnê, nos seis estados.
Comentei que lamentava não estar com a camiseta que comprei no FresH20, um site filantrópico que vende objetos autografados por celebridades, entre eles McBrain, para reverter o dinheiro em melhorias para países africanos. Nicko então se chateou. Disse que acreditou na honestidade do site, mas que a grana foi desviada, e que não chegou à Etiópia, como ele havia recomendado. Disse que estava muito desapontado. Respondi que se ele fizesse mais ações como essa, eu contribuiria novamente. Afinal, ele era meu herói há quase 30 anos e nada mais justo e honesto de minha parte do que ajudá-lo da maneira que puder. Ele sorriu e me convidou para tirarmos uma foto.
Não tenho o costume de sorrir na hora da foto, mas desta vez fui repreendido: "você precisa aprender a sorrir". Ainda assim fiz cara de mau, ou de bunda, se preferir, e a foto saiu incrível. Nicko abraçado comigo, com o sorriso mais verdadeiro que já vi na vida. A seguir, autografou o que eu havia trazido: uma foto dele comigo, tirada em 2009, uma foto dele, e o vinil americano "The Final Frontier". Então, pediu licença para buscar mais uma cerveja.
Como eu estava com o notebook, aproveitei para postar fotos do momento em meu perfil no Orkut. Nicko se aproximou e perguntou o que eu estava fazendo. Meio com receio dele não gostar por eu já estar postando a foto em uma rede social, expliquei o que era o Orkut, que é "igual ao Facebook", mas amplamente difundido no Brasil, e bla bla bla... Ele se interessou e mostrei algumas fotos minhas com outros músicos que ele conhece bem, tais como o Vinny Appice e Mike Portnoy. Ele, mais uma vez, disse que preciso sorrir nas fotos.
Eu disse que a única foto que tinha sorrindo, até então, era com Lauren Harris. Nicko fez uma cara de espanto e disparou: "xiiii, cara! O Steve vai te matar!". Em seguida Janick apareceu e Nicko se uniu a ele. Abraçados, cantaram músicas nórdicas, enquanto o crew da banda dava risada. Eu nem abordei o Gers, afinal já havia conseguido a foto e o autógrafo em São Paulo, e por mim estava bom demais. Grande dia, ainda mais se considerar que eu estava vindo de um show cancelado.
No dia seguinte resolvi me dar folga. Esse negócio de turnê é meio cansativo. Você dorme tarde e acorda cedo, sempre na expectativa de conseguir alguma coisa. Claro, se eu já tivesse "fechado a banda" estaria sossegado, mas é difícil sossegar quando só se tem fotos com dois integrantes. Passei o dia no quarto e dormi boa parte dele, especialmente de tarde.
Acordei por volta das 20:00 hs e tive que tomar uma decisão difícil: ir ou não ir ao show. No dia anterior deu tanta coisa errada (fila, atraso, assaltos, cancela-mento, teto caindo) então eu estava receoso que tudo desse errado novamente. Não queria de jeito nenhum correr o risco de passar por aquilo novamente. É como entrar em um ônibus com uma nota de 100 reais - você não conseguirá pagar a passagem, mesmo tendo dinheiro. De que adiantava eu poder pagar o taxi, se não havia taxi para me trazer?! No fim, com muito pesar, abri mão do show do Rio de Janeiro, e fui ao bar para aguardar o retorno da banda.
Naquela noite, somente o Nicko apareceu. Quando me cumprimentou, aproveitei para pedir autógrafo no DVD Rythms of the Beast, uma vídeo-aula de bateria que ele havia relançado há pouco tempo. A partir de então, acontecesse o que acontecesse, eu não incomodaria mais o Nicko, como também não incomodaria o Gers. Faltavam os outros quatro. Para finalizar a noite, saí do hotel para fumar um cigarro, e deixei dois amigos tomando conta das minhas coisas. Quando voltei, estava tudo autografado pelo Janick, que havia passado lá, e autografou tudo sem que eles ao menos pedissem - inclusive o plástico do Rythms of the Beast onde ele, obviamente, não tocou. Não entendi nada, mas beleza...
Continuamos sentados, eu de costas para ele, e o que aconteceu a seguir foi surreal até mesmo para mim. De repente, uma mão colocou uma cerveja em nossa mesa. Era Nicko, que perguntou se podia se sentar conosco. Mas é claro que sim! Não sei se me reconheceu da última turnê no Brasil, acho muito difícil, mas ele perguntou a quantos shows eu iria "desta vez", e eu respondi que estava acompanhando a parte brasileira da turnê, nos seis estados.
Comentei que lamentava não estar com a camiseta que comprei no FresH20, um site filantrópico que vende objetos autografados por celebridades, entre eles McBrain, para reverter o dinheiro em melhorias para países africanos. Nicko então se chateou. Disse que acreditou na honestidade do site, mas que a grana foi desviada, e que não chegou à Etiópia, como ele havia recomendado. Disse que estava muito desapontado. Respondi que se ele fizesse mais ações como essa, eu contribuiria novamente. Afinal, ele era meu herói há quase 30 anos e nada mais justo e honesto de minha parte do que ajudá-lo da maneira que puder. Ele sorriu e me convidou para tirarmos uma foto.
Não tenho o costume de sorrir na hora da foto, mas desta vez fui repreendido: "você precisa aprender a sorrir". Ainda assim fiz cara de mau, ou de bunda, se preferir, e a foto saiu incrível. Nicko abraçado comigo, com o sorriso mais verdadeiro que já vi na vida. A seguir, autografou o que eu havia trazido: uma foto dele comigo, tirada em 2009, uma foto dele, e o vinil americano "The Final Frontier". Então, pediu licença para buscar mais uma cerveja.
Como eu estava com o notebook, aproveitei para postar fotos do momento em meu perfil no Orkut. Nicko se aproximou e perguntou o que eu estava fazendo. Meio com receio dele não gostar por eu já estar postando a foto em uma rede social, expliquei o que era o Orkut, que é "igual ao Facebook", mas amplamente difundido no Brasil, e bla bla bla... Ele se interessou e mostrei algumas fotos minhas com outros músicos que ele conhece bem, tais como o Vinny Appice e Mike Portnoy. Ele, mais uma vez, disse que preciso sorrir nas fotos.
Eu disse que a única foto que tinha sorrindo, até então, era com Lauren Harris. Nicko fez uma cara de espanto e disparou: "xiiii, cara! O Steve vai te matar!". Em seguida Janick apareceu e Nicko se uniu a ele. Abraçados, cantaram músicas nórdicas, enquanto o crew da banda dava risada. Eu nem abordei o Gers, afinal já havia conseguido a foto e o autógrafo em São Paulo, e por mim estava bom demais. Grande dia, ainda mais se considerar que eu estava vindo de um show cancelado.
No dia seguinte resolvi me dar folga. Esse negócio de turnê é meio cansativo. Você dorme tarde e acorda cedo, sempre na expectativa de conseguir alguma coisa. Claro, se eu já tivesse "fechado a banda" estaria sossegado, mas é difícil sossegar quando só se tem fotos com dois integrantes. Passei o dia no quarto e dormi boa parte dele, especialmente de tarde.
Acordei por volta das 20:00 hs e tive que tomar uma decisão difícil: ir ou não ir ao show. No dia anterior deu tanta coisa errada (fila, atraso, assaltos, cancela-mento, teto caindo) então eu estava receoso que tudo desse errado novamente. Não queria de jeito nenhum correr o risco de passar por aquilo novamente. É como entrar em um ônibus com uma nota de 100 reais - você não conseguirá pagar a passagem, mesmo tendo dinheiro. De que adiantava eu poder pagar o taxi, se não havia taxi para me trazer?! No fim, com muito pesar, abri mão do show do Rio de Janeiro, e fui ao bar para aguardar o retorno da banda.
Naquela noite, somente o Nicko apareceu. Quando me cumprimentou, aproveitei para pedir autógrafo no DVD Rythms of the Beast, uma vídeo-aula de bateria que ele havia relançado há pouco tempo. A partir de então, acontecesse o que acontecesse, eu não incomodaria mais o Nicko, como também não incomodaria o Gers. Faltavam os outros quatro. Para finalizar a noite, saí do hotel para fumar um cigarro, e deixei dois amigos tomando conta das minhas coisas. Quando voltei, estava tudo autografado pelo Janick, que havia passado lá, e autografou tudo sem que eles ao menos pedissem - inclusive o plástico do Rythms of the Beast onde ele, obviamente, não tocou. Não entendi nada, mas beleza...
Após o café, Michael Kenney foi abordado por uma galera, e vi ali minha chance de conseguir a foto que não conseguira dois dias antes. Mas, infelizmente, ele piscou, e não ficou tão boa. Fazer o que?! Acontece... Ainda acompanhei a saída da equipe, antes de fazer o check-out. Chamei um táxi que me levou ao aeroporto, a caminho de Brasília.