Alerta de spoiler: contêm algumas confissões de crimes de menor gravidade, todos já prescritos.
Lost foi um seriado extremamente marcante em minha vida e, principalmente, na vida de Sheila. O interesse dela foi tanto, que começou a participar da comunidade Lost Brasil, no Orkut, onde eram debatidas as teorias sobre os mistérios da ilha. Não demorou muito para que encontros presenciais fossem agendados, e ela conheceu pessoas com quem mantêm amizade até hoje. A bem da verdade: quando foi lançada, em 2004, a série não era oficialmente exibida no Brasil. A Globo só começou a exibir os episódios da primeira temporada em 2006, quando já estávamos assistindo à terceira temporada.
Era época onde serviços como Megaupload, File Factory, Depositfiles, Easy-Share, entre outros, pagavam pelo download de arquivos que estivessem hospedados em seus servidores. Geralmente era um dolar para cada 1.000 downloads. Pode parecer pouco, mas logo percebemos que poderíamos conseguir milhões de downloads. Não demorou para que começássemos a subir os episódios em diversos formatos (AVI, RMVB, RMVB legendado). A coisa chegou em um nível tão doentio, que havia uma noite na semana em que não dormíamos, apenas para estar com os arquivos em dia nos servidores.
Se não me engano, cada episódio saía por volta de 2 da manhã. Fazíamos o upload para os servidores e assistíamos em inglês, sem legendas. Até o amanhecer, a legenda já estava disponível, então codificávamos um arquivo RMVB com ela, e também subíamos para os servidores. Quando eu estava no ônibus ou no metrô, a caminho do trabalho, assistia novamente, desta vez com a legenda. De noite, após o expediente, assistíamos pela terceira vez. Todo esse esforço compensou e muito: nosso orçamento ficou muito mais folgado, pois recebíamos diversos pagamentos dos servidores. Foi, inclusive, com essa folga, que conseguimos, em nossos primeiros corres, pagar os hotéis onde as bandas estavam.
Então é claro que, quando comecei a fazer corres, qualquer aproximação com qualquer integrante do elenco seria especial para nós. Algumas vezes conseguimos, outras não tivemos sorte. No decorrer dos anos, conhecemos Evangeline Lilly (Kate Austen), Naveen Andrews (Sayid Jarrah) e Rebecca Mader (Dra. Charlotte Lewis). Em compensação, Dominic Monaghan (Charlie Pace), Ian Somerhalder (Boone Carlyle) e Rodrigo Santoro (Paulo), estiveram no Brasil após a gravação do seriado, mas não conseguimos conhece-los. Agora era vez de um de nossos personagens prediletos: Hugo Reyes, o Hurley, interpretado por Jorge Garcia, que viria para a segunda edição da Comic Con em São Paulo.
No dia da chegada dele ao país, eu e Sheila acordamos cedo e fomos ao aeroporto de Guarulhos, para tentar conseguir foto com ele assim que ele passasse pelo portão de desembarque. No caminho, curiosamente, fomos conversando sobre a polícia federal, responsável por toda a segurança do perímetro aeroportuário. Lembro claramente de dizer a ela que eu jamais arrumaria confusão no aeroporto pois, até onde sei, seria tratado como crime federal, não como crime comum. Parecia até que eu estava prevendo o que estava prestes a acontecer...
Quando chegamos, logo identificamos dois grupos que não gostaríamos de encontrar: os hunters que vão em corres de cantoras como Ariana Grande, Lady Gaga, Pink, Beyoncé, Shakira, Jessie J, Katy Perry, Lana Del Rey, entre outras. Eles são conhecidos por diversas características desagradáveis, que incluem andar em bando - quando um tem uma informação, é como se todos tivessem, um passa para o outro, que passa para o seguinte; então chegam ao hotel ou aeroporto em grupos de 10, 20 pessoas. Além disso, não tem a menor noção de respeito ou civilidade: berram, choram, se jogam no chão, desrespeitam segurança, xingam a artista se ela não quiser atender. Enfim, um bando de arruaceiros. São 10 vezes piores que os hunters do bem.
Enzo*, um dos representantes desse grupo, me disse uma vez que não se incomoda em se humilhar para a artista, "pois ela nunca mais o verá novamente". Na maioria das vezes eles conseguem fotos incríveis. Porém, para conseguir como eles, prefiro não conseguir. Meus corres são educados, calmos, procuro proporcionar uma experiência legal para o artista e para mim mesmo. Já eles... Não tem nem como comparar!
O segundo grupo era ainda mais preocupante: três integrantes de uma equipe do Pânico. Eles estavam ali para tumultuar, a ideia era se jogar em cima de Jorge Garcia, berrando e fazendo o estilo "fã maluca", empurrando o cara, apenas porque seria engraçado colocar isso na TV. Grupos como esses já tentaram nos atrapalhar anteriormente, em corres como Paul McCartney, Paulo Maluf e Quentin Tarantino. Nos dois primeiros, não conseguiram, mas no último ficamos sem a foto por causa deles. Era de se prever que conseguir a foto com Jorge Garcia seria muito complicado.
Decidimos deixar que os outros fizessem a abordagem, pois seria pior se abordássemos primeiro, pois com certeza surtariam. Porém, admito: não foi tão ruim quanto pensamos que pudesse ser. Garcia desembarcou com a família e não pareceu muito disposto a atender, mas parou e começou a dar autógrafos. Houve alguns gritos, alguns empurrões, mas aparentemente todos conseguiríamos ao menos uma foto com ele.
De repente, senti alguém pulando em minhas costas, o que me fez desequilibrar e quase cair em cima de Jorge. Era um dos engraçadinhos do Panico, berrando para Garcia lhe dar a mão, "pois ele não estava mais perdido". Nesse momento, Jorge desistiu de atender e entrou o mais rápido que pode no carro que o aguardava, enquanto o mesmo cidadão lhe pedia um abraço, tudo para tumultuar. Sheila conseguiu registrar Garcia entrando no veículo, mas meu cabelo quase o encobriu.
Enquanto eu guardava a câmera e a foto que levei para Jorge autografar, Sheila passou pelo pessoal do Panico e disse algo como "eu não entendo como vocês podem acordar cedo apenas para vir atrapalhar a vida de quem só quer conseguir uma foto com ele", e seguiu caminhando. A essa altura, eu já havia guardado tudo e caminhava alguns metros atrás dela, quando ouvi um deles dizer algo como "essa vagabunda não tem louça para lavar em casa?!".
Primeiro, ele estava xingando a minha esposa. Segundo, ele tinha atrapalhado uma foto que seria uma das mais especiais para mim. Me aproximei sem dizer nada e já cheguei socando o infeliz, que caiu ao chão. Em seguida bati no segundo e já estava correndo atrás do terceiro. Foda-se se era crime federal, eu estava super a fim de socar a cara deles e naquele momento nada iria me impedir, nem mesmo os federais. Porém, para minha surpresa, em um aeroporto completamente monitorado por câmeras, ninguém apareceu.
Sheila tentou me segurar, quando um deles me acertou um soco na lateral do rosto. Consegui me desvencilhar e pancadaria continuou. Quando ela conseguiu me segurar novamente, tomei outro soco, na outra lateral. Nada muito ruim, eles bateram como menininhas. Mas ela me convenceu a finalizar a briga e embarcar com ela em um ônibus que fazia o traslado entre os terminais. Assim que a porta se fechou, conosco dentro, um deles começou a chutar o vidro da porta, berrando algo como "marquei a sua cara, você está fudido", aquelas coisas que se diz quando uma briga termina.
Do terminal 3 fomos ao terminal 1, onde tomamos o ônibus para o Tatuapé. Tomamos o metrô, baldeamos na Sé e em Pinheiros, e fomos até a estação Morumbi, para continuar o corre no hotel Hyatt, onde a maioria das atrações da Comic Con estavam hospedadas. Jorge Garcia hospedou-se no Fasano. Não tentamos ve-lo novamente, preferimos ficar onde estávamos, pois havia muitos outros artistas ali, e somente Garcia no Fasano.
De repente, recebi uma mensagem da Jess perguntando se estava tudo bem, respondi que sim. Ela disse que ouviu diversas versões sobre o que aconteceu. Uma delas dizia que fui algemado e preso, outra que fui eu quem levou a pior, que saí sangrando. A foto abaixo, com o escritor e desenhista de histórias em quadrinhos Frank Miller, aconteceu cerca de três horas após a briga. Parece que fui preso ou que apanhei?!
Posteriormente, comentando sobre o ocorrido com outros hunters, como Carlos e Marcelo Zava, lamentei muito que a maioria não tivesse se interessado em fazer esse corre. Todos, sem exceção, disseram que, se estivessem, o pau teria comido solto. Entre os hunters, ninguém gosta desses caras.
ATUALIZAÇÃO
Após postar esse texto, um amigo me enviou um vídeo gravado pelo Panico, que mostra muito do que contei, a partir de 00:59. Eu apareço em 01:35, com a mesma camiseta do Blaze Bayley da foto acima.