Em algumas horas, o Ed Force One, Boeing 757-200 personalizado com a logomarca do Iron Maiden, e pilotado pelo vocalista Bruce Dickinson, pousaria no aeroporto Internacional de Guarulhos. Era a primeira perna da turnê “Somewhere Back in Time”, que finalmente chegava ao Brasil.
Sou apaixonado por ambos, Iron Maiden e aviação. Simplesmente precisava ver aquilo de perto. É claro que eu não acreditava ser possível encontrar algum integrante da banda pessoalmente porém, embora ainda não soubesse, isso estava muito próximo de acontecer.
Eu chefiava a redação de um então grande e conhecido website brasileiro e, naquele dia, “abri o jogo” para o dono: precisava sair mais cedo para ir ao aeroporto a tempo de acompanhar o pouso. Devidamente autorizado, encontrei-me com minha então esposa Sheila, e fomos para lá. Sheila não é fã de Iron Maiden, nem de metal, mas foi legal ter a companhia dela na ocasião.
Quando chegamos, encontramos um ambiente caótico, com dezenas de fãs esperando no portão de desembarque do terminal 2, enquanto entoavam cantos como “Olê olê olê olê Maiden Maiden”. Quem é fã sabe do que estou falando. Ao que pareceu, muitos realmente acreditavam que a banda desembarcaria como passageiros comuns. Mas, tendo seu próprio avião, é claro que isso não seria possível.
Procuramos, então, um lugar para acompanhar o pouso. Subimos ao terminal de embarque, onde havia uma grande janela com vista para a pista, que também já estava tomada por fãs. Quando aconteceu, foi totalmente decepcionante. Já havia anoitecido, e a pista em que o avião pousou, apenas com a cauda minimamente iluminada, era relativamente distante de onde estávamos. Então, vimos pouco.
Para dizer a verdade, eu voltei para casa chateado. Se nem o avião eu consegui ver direito, meu sonho de um dia conhecer os integrantes da banda era impossível. Era o que eu pensava.
Gosto de trocar o dia pela noite, e passei boa parte da madrugada interagindo na comunidade “Iron Maiden Brasil”, do Orkut. Por volta das 3 horas da manhã, alguém postou no grupo uma foto abraçado ao Steve Harris. Era possível ler o nome do hotel: Hilton Morumbi. Então, pensei que poderia ter alguma chance de contato se me hospedasse. Acessei o site, procurando pelo quarto mais barato, e não me assustei com o valor: diária por 200 dólares (cerca de 340 reais). Era um pouco salgado para minhas possibilidades mas, enfim, quanto vale um sonho?! Fui dormir já com o plano totalmente arquitetado.
Na manhã seguinte, acordei às 11 horas, junto com Sheila. Esse foi mais ou menos o diálogo que tivemos:
- Vou tomar banho, me vestir e ir ao Hilton. O Iron Maiden está lá, vamos?!
- Tudo bem. Que horas voltaremos?
- Você não entendeu, eu vou me hospedar.
- O que foi que colocaram na sua Coca-Cola?! Você sabe quanto custa?!
- Sei, e eu vou ainda assim. Vamos?!
Percebendo que não conseguiria me convencer a desistir, ela juntou-se a mim. Não tínhamos carro e, em uma época em que não havia Uber, 99 ou Cabify, tomar um táxi seria caro, mesmo nesta ocasião especial. Telefonei para minha mãe, expliquei a situação, e ela se prontificou em nos dar uma carona.
O problema é que, onde ela morava, não havia telhado na garagem. Os passarinhos pousavam nos galhos das árvores e “mandavam ver” (sim, é isso mesmo que você pensou!). Minha mãe estava em um tratamento de câncer de mama, diagnosticado quatro anos antes, e gostava de nos dar caronas, pois eram as raras ocasiões em que ela saía de casa para algo que não fosse ir ao médico, fazer um exame, ou algo relacionado diretamente ao tratamento. Era uma terapia para ela. Mas o carro estava imundo, novamente com aquilo que você pensou, e foi assim que chegamos ao Hilton, com o carro todo cag... deixa pra lá!
Então, esta era a situação no momento exato em que chegamos: cerca de 60 fãs aguardavam em uma fila, do lado de fora do hotel, ansiosos por algum contato com a banda. Minha mãe nos deixou em frente à porta principal e já íamos entrando – eu cabeludo e com uma camiseta do Iron Maiden – quando um segurança nos abordou e disse para esperar na fila como todo mundo. Quando expliquei que seríamos hóspedes, o papo mudou, e é claro que ele nos deixou entrar.
Fizemos o check-in com um atendente bastante atencioso, que visivelmente notou a nossa intenção de ter algum contato com a banda. Eu havia reservado “o quarto mais barato” através do site do hotel, mas ele nos explicou que havia um outro quarto, um pouco mais caro, que daria acesso a um andar exclusivo onde “a banda toma café da manhã e faz o happy hour e, aliás, é onde o Bruce Dickinson está neste exato momento”. Certamente fui convencido a ficar com o quarto mais caro.
Pegamos o cartão que abre a porta do quarto e embarcamos no elevador, que estava lotado. Assim que chegamos ao nosso andar, eu percebi um senhor parado no corredor falando ao celular, mas não dei muita atenção. Quando conseguimos localizar o quarto, decidimos que era hora de tirar algumas fotos. Afinal, não era todos os dias em que estávamos em um hotel bacana, então deveríamos aproveitar a oportunidade. Pouco depois, lá estávamos nós tirando nossas fotos, quando fomos interrompidos aos berros por um segurança do hotel: “eu já disse que vocês não podem ficar aqui!”.
Sheila passou a chave e a porta se abriu. Então, ele se deu conta de que éramos hóspedes. Constrangido, pediu mil desculpas. Acabamos relevando pois, naquele dia, tudo era festa. Se fosse hoje, faríamos uma reclamação formal, e o hotel acabaria nos oferecendo algo de cortesia, talvez uma diária grátis, talvez um jantar. É o justo por ser maltratados. Se não fôssemos hóspedes, seríamos o que?! A equipe de segurança do hotel é tão incompetente, que deixa qualquer um chegar a um andar exclusivo?!
Colocamos nossas coisas no quarto e fomos conhecer a tal área onde rolava o happy hour. Possivelmente era a nossa melhor chance de ter algum contato com alguém da banda. Chegamos e, mais uma vez, fomos recebidos por funcionários muito simpáticos. Tanto a menina da recepção, como o funcionário que atendia às mesas foram sensacionais. Conversamos sobre o Iron Maiden, e eles disseram que sim, alguns integrantes estiveram ali, mas não estavam mais. Decidimos permanecer, enquanto desfrutávamos das vantagens do happy hour: bebidas grátis e diversos petiscos e tira-gosto.
Não demorou muito e Nicko McBrain apareceu para comer. Eu e Sheila já havíamos conversado sobre ser o menos inconvenientes possível, então decidimos esperar, deixando-o se alimentar em paz. Quando ele chamasse o elevador, o abordaríamos. E assim foi. Nicko autografou o álbum “Dance of Death” e um par de baquetas que levei (usado e bem desgastado, que vergonha!), além de tirar uma foto comigo e outra com a Sheila.
Logo a cena se repetiu com Janick Gers. Ele apareceu e foi abordado por fãs que também eram hóspedes. Aproveitamos para tentar falar com ele também. Ele nos atendeu numa boa, tirou fotos e deu autógrafo, e o deixamos em paz para desfrutar do happy hour.
Ao anoitecer, Bruce apareceu. Ele estava pingando de suor da cabeça aos pés, pois tinha acabado de sair da academia. Assim que eu o vi, exclamei:
- Cacete, é o Bruce Dickinson!
Sheila fechou a cara e respondeu (lembrando que ela não é fã de Maiden):
- Esse é o Bruce Dickinson?!
- Sim!
- Ele estava no elevador quando subimos para o quarto e desceu no mesmo andar que nós, ficou no corredor falando ao celular.
Em minha defesa, gostaria de dizer que o elevador estava lotado, cheio de engravatados, e o Bruce estava de roupa social. Era também a minha primeira vez em um hotel daqueles. Eu não iria ficar encarando todo mundo em um ambiente onde eu ainda estava me familiarizando. Hoje seria normal, mas na época era coisa de outro mundo. Senti-me como nos desenhos animados, quando as orelhinhas de burro crescem no personagem.
Enfim, resolvi aborda-lo, mas apenas para conseguir o autógrafo. Provavelmente, se eu pedisse foto, no estado em que ele estava, ele me mandaria “praquele lugar”, então preferi não arriscar. O autógrafo rolou de boa. Meu Dance of Death estava agora autografado por metade do Iron Maiden.
Como as coisas pararam de acontecer, e a Sheila queria aproveitar a banheira do quarto, demos uma descida. Em uma época em que internet por celular ou mesmo por wi-fi não era tão comum, o hotel disponibilizava 2 computadores no “andar especial” para hóspedes que gostariam de se conectar. Decidi ir até lá e publicar as fotos com Nicko e Janick em meu perfil no Orkut. Mas, quando chegamos, surpresa: Bruce estava usando um dos computadores e sua então esposa Paddy (falecida em 2020) usava o outro.
Mais uma vez, eu avaliei que não seria o momento de pedir foto. Ele estava com a esposa, talvez não fosse legal aborda-lo naquela hora. Então, na maior discrição possível, fiz um pequeno vídeo do Bruce usando o computador, pois eu tinha certeza que ninguém acreditaria quando eu contasse. Quando ele terminou, nos aproximamos, e ele fez uma cara pouco amigável, tipo “que saco!”. Mas a Sheila apenas perguntou se ele havia terminado de usar o computador. Ele se assustou, pois não esperava isso. Então respondeu: “o computador?! Sim, eu terminei, pode usar”, e saiu apressado, deixando para trás uma lata de coca-cola que ele estava bebendo.
Rapidamente, postei as fotos, fiz o logoff e, antes de sair, Sheila perguntou se eu levaria a lata para casa. Só imagina eu mostrando aos amigos “esta é a lata em que o Bruce bebeu”. Fala sério! Definitivamente não!
Mais tarde, nada estava acontecendo, e resolvemos descer para o bar do térreo, para ver se algo estava rolando por lá. E foi então que aconteceu o momento mais surreal da minha vida – lembrando que era o primeiro dia que eu fazia um corre, mesmo sem ainda saber que isso era um corre.
Chamamos o elevador e, quando ele chegou, entramos. A porta se fechou e descemos dois andares. A porta abriu, Steve Harris entrou sozinho, a porta fechou. Então imagine: naquele momento, estavam no mesmo elevador, eu, Sheila e Steve Harris que, para mim, sempre foi “Deus”, o melhor, o fodão. Quando o vi entrar, só consegui dizer “Steve Harris” e congelei. Steve, embora não pareça no palco, é um sujeito muito tímido e reservado na vida real. Ele acenou com a cabeça, apertou o andar e baixou a cabeça. Ficou ali, na dele. O elevador descendo e eu completamente congelado.
Para quebrar o gelo, a Sheila disse, em inglês:
- Este é meu marido, ele é muito teu fã.
Neste momento, ele olhou para mim, e eu consegui descongelar. Então, apertei a mão dele, e tentei dizer, também em inglês:
- Meu nome é Adriano, tenho 35 anos e sou fã de Iron Maiden há 25 anos.
O problema é que entrei em loop e, quando dei por mim, estava pagando um senhor mico na frente de Steve Harris, repetindo “third five years”, sem parar. Steve olhou para mim e disse, em claro e bom português:
- Calma!
A partir desse momento, toda a conversa rolou em português. Na hora lembrei do Eddie’s Bar e respondi:
- É mesmo, você tem um bar em Portugal. Entende português?
- Um pouco.
- É o suficiente – Sheila completou
O elevador chegou ao térreo e Harris prosseguiu para a garagem. Eu estava morrendo de vergonha por ter me comportado como um idiota na frente de uma das pessoas que mais admiro, e decepcionado por não ter pedido foto ou autógrafo no trajeto que compartilhamos.
No bar, a coisa estava realmente uma festa. Em uma mesa, ao canto, Janick Gers estava sentado, conversando com algumas mulheres. Em outra mesa, ao nosso lado, Nicko conversava com Rod Smallwood, o poderoso empresário do Iron Maiden. Adrian Smith estava no balcão, sentado nos bancos, e um pouco mais tarde Bruce juntou-se a ele. E eu ali, olhando tudo aquilo, sem acreditar no quão surreal parecia ser.
Quando Rod levantou-se, alguns fãs resolveram tirar foto com ele. Eu não tirei porque, depois de tudo o que estava acontecendo, estava completamente tímido, sem graça. Sheila aproximou-se e pediu uma foto:
- Comigo?! Mas eu não sou da banda.
- É, mas para mim você também é uma estrela do Rock!
Rod abriu um sorrisão e a foto rolou de boa. Nem sei porque não pedi também, mas, enfim, não adianta ficar revirando o que já aconteceu.
Mais tarde, alguns fãs que também estavam hospedados abordaram o Adrian Smith, que tirou fotos numa boa. Sei lá porque, ao invés de fazer o mesmo, preferi me posicionar ao lado do Adrian enquanto ele tirava foto com um dos fãs. Anos depois encontrei o perfil desse fã em uma rede social e me desculpei com ele. Era o nervosismo do primeiro corre. Abaixo, a foto devidamente cortada.
Conforme a madrugada se aproximava, Steve Harris reapareceu, desta vez acompanhado de seguranças. Eu consegui a foto com ele mas, quando Sheila foi tentar a dela, um dos seguranças disse “já acabou”. Ela começou a discutir, dizendo que só queria um autógrafo. Steve, que estava de costas, ouviu, e a chamou. A foto dela não rolou, mas conseguimos o autógrafo.
Percebemos que, fora do hotel, eles pararam para tirar fotos com alguns fãs. Um deles, que eu ainda não conhecia, seria um grande companheiro de corres no futuro: Leo "Wacken". Fomos até lá para tentar conseguir a foto de Steve com a Sheila, mas não rolou. Nos contentamos em fazer um vídeo. Depois soube que ele e Janick deram uma passada no Manifesto Bar.
Saí do hotel para fumar um cigarro e fui abordado por alguns fãs, que pensaram que eu era da equipe da banda. Um deles era Marcelo Zava, que no futuro, fez – e ainda faz - diversos corres comigo. Outro era um um fã que acabou se hospedando também. No dia seguinte, ele foi essencial para que rolasse a foto com o Bruce, pois nos avisou quando ele apareceu para tomar café. Fomos para lá e sentamos algumas mesas distante. Aguardamos pacientemente que ele finalizasse a refeição. Após, pegou um jornal e leu por pelo menos meia hora. Então, quando se levantou, o abordamos e a foto rolou, fácil.
Algumas horas antes, eu e Sheila acordamos e levantamos cedo, justamente para tentar encontrar com Bruce ou Dave Murray no café da manhã. Não encontramos, mas na mesa ao lado à que estávamos estava Paddy, a esposa de Dickinson. Conversamos rapidamente e ela foi muito simpática. Lamento não ter pedido para tirar uma foto com ela.
A hora de fazer o check-out chegou e tivemos que ir embora. Dos seis integrantes do Iron Maiden, conseguimos contato com cinco. O único que não vimos foi Dave Murray. De lá seguimos para casa, onde assistimos Palmeiras 1x0 Corinthians pela TV e, então, fomos ao show. Que final de semana inacreditável!
A hora de fazer o check-out chegou e tivemos que ir embora. Dos seis integrantes do Iron Maiden, conseguimos contato com cinco. O único que não vimos foi Dave Murray. De lá seguimos para casa, onde assistimos Palmeiras 1x0 Corinthians pela TV e, então, fomos ao show. Que final de semana inacreditável!